segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

A felicidade obsessiva


Numa entrevista ao jornal Expresso o psiquiatra Carlos Amaral Dias responde assim à pergunta se era um feliz: "Não acredito no conceito de felicidade. É uma nivelação por baixo daquilo que se pode esperar da vida - e o que se pode esperar da vida é a capacidade de tirar prazer da existência humana, sabendo coabitar ao mesmo tempo com o sofrimento que é inerente à espécie. Felizes, podem ser, talvez, os besouros... A felicidade é um conceito utópico e eu não gosto de utopias."

Concordo. Vivemos numa época na qual se vende felicidade ao desbarato. As livrarias encehmse quase diariamente de livros que prometem soluções mágicas para sermos mais felizes (os quatro livros destas imagens são apenas exemplos, há dezenas de outros). Ora, a sociedade do espectáculo e do consumo sugerem a venda de produtos comerciais e de bens que levam as pessoas a serem, superficialmente, mais felizes. Os livros de auto-ajuda que prometem alcançar a eterna felicidade enchem os escaparates das livrarias. A felicidade é vendida através de livros de filósofos, psicólogos, sociólogos, políticos, religiões, publicidade, televisão, que nos induzem a obrigatoriedade de ser feliz, a todo o custo. Claro que todos queremos bem-estar, segurança e paz (elementos da felicidade), mas a vida é um conjunto complexo de contradições e frustrações, de sentimentos paradoxais e é importante saber lidar com eles.

Há pessoas verdadeiramente viciadas na busca da felicidade, seja por métodos naturais (como a prática do Yoga ou do Reiki) ou por métodos artificiais (drogas e álcool). O mundo da psicologia inventou até uma nova área de investigação, a chamada "psicologia positiva", dedicada a encontrar formas de melhorar a felicidade, do envolvimento e do significado. Os psicólogos que praticam esta variante de terapia são pioneiros num novo tipo de ciência, a "ciência da felicidade", que tenta ensinar-nos a ficar felizes e a razão pela qual o devemos ser. É de tal forma um tema obsessivo que já se instituiu o "Dia Internacional da Felicidade" e o "Dia Mais Infeliz do Ano".
Daí que venha mesmo a calhar um livro que rema contra esta corrente: tem o sugestivo título "Contra a Felicidade - Em Defesa da Melancolia", do académico Eric G. Wilson. Um livro que subverte o pensamento consensual, defendendo que a melancolia e a tristeza são sentimentos inerentes à condição humana e necessários a qualquer cultura florescente, sendo a musa da grande literatura, pintura, música e inovação. Eis o que diz Eric G. Wilson: "Basta de Prozac nos nossos cérebros. Aceitemos as nossas facetas depressivas enquanto fontes de criatividade. Ao idolatrar o ideal de felicidade, o indivíduo cega-se para o mundo e vacila perante a mais pequena contrariedade. A nossa cultura parece tratar a melancolia como estado aberrante, como vil ameaça à noção de felicidade, como gratificação imediata, felicidade como conforto superficial." 

A dualidade entre sentimentos contraditórios (melancolia/tristeza versus felicidade/alegria) já proporcionou milhares de livros, poemas, ensaios, filmes e canções. No fundo, trata-se de uma discussão que se irá eternizar enquanto houver homem à superfície da terra. Seja como for, este livro de Eric G. Wilson representa um abanão face às convenções sociais da actualidade e, apesar de ter sido editado há já 6 anos, continua a ser cada vez mais actual, contrariando a avalanche incontida de livros que ajudam a encontrar a felicidade como se este fosse o único e insofismável paradigma existencial possível.

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