quinta-feira, 31 de março de 2011

Entrevista Póstuma (3)-Stanley Kubrick


O Homem Que Sabia Demasiado - Muitos críticos consideram a sua obra cinematográfica como única na história do cinema. Concorda?

Stanley Kubrick - Concordo.

O Homem Que Sabia Demasiado - É conhecido por ser um cineasta de grande exigência formal, muito meticuloso na preparação de cada filme, nas filmagens e montagens.

Stanley Kubrick - Não ligo ao que dizem sobre mim acerca desse assunto.

O Homem Que Sabia Demasiado - Sim, mas admite que era particularmente duro com os actores, que os obrigava vezes sem conta a repetir cenas...

Stanley Kubrick - Repetiam as vezes que eram extritamente necessárias. E nunca me dei mal com nenhum actor por isso.

O Homem Que Sabia Demasiado -Mas consta-se que os actores de "The Shining", Jack Nicholson e Shelley Duvall, se queixaram do nível de exigência nas repetições de cenas.

Stanley Kubrick - Ambos foram actores maravilhosos. A imprensa exagera. Fiquei muito amigo de Nicholson depois desse filme.

O Homem Que Sabia Demasiado - Os temas dos seus filmes foram sempre temas fortes: guerra, sexo, violência, obsessão, desejo, suicídio, loucura...

Stanley Kubrick - Por nenhum motivo em especial.

O Homem Que Sabia Demasiado - Se tivesse que escolher uma obra que melhor representasse o seu cinema, qual seria?

Stanley Kubrick - O filme "Napoleão", que nunca consegui concretizar ao fim de muitos anos a tentar.

O Homem Que Sabia Demasiado - É verdade que é avesso a entrevistas e sempre as recusou?

Stanley Kubrick - Isso é invenção.

Ao encontro das luzes


Adoro esta cena no filme "Annie Hall" (1976) de Woody Allen: Duane (pequeno papel de um então jovem Christopher Walken) está sentado na cama do quarto e chama Alvy Singer (Woody Allen) para lhe dizer:

- Posso confessar-te uma coisa? Digo-te isto porque és artista e creio que vais compreender. Às vezes quando conduzo na estrada à noite, e vejo as luzes dos outros carros virem contra mim, sinto um súbito impulso para virar as rodas e ir ao encontro dessas luzes. E imagino a explosão, o som do vidro estilhaçado, as chamas a saírem da gasolina derramada…

- Alvy Singer: Pois… Bom, agora tenho de ir, Duane, porque, hã…, tenho de descer de volta ao planeta Terra.

quarta-feira, 30 de março de 2011

Do "pior" filme ao "melhor"?



Porque é que se convencionou afirmar que "Citizen Kane" de Orson Welles é o "melhor filme da História do Cinema", assim como "Plan 9 From Outer Space" de Ed Wood é o "pior filme da História do Cinema"?

Como se chega a este tipo de conclusões aperentemente consensuais?

Veio isto a propósito do facto de terem começado, há apenas alguns dias, as filmagens do remake do filme de Ed Wood (levado a cabo por um desconhecido John Johnson).

A minha dúvida é: para quê e porquê fazer um remake do "pior filme de sempre". Para tentar elevá-lo à "genialidade"? Será que esse tal realizador John Johnson já viu "Ed Wood" de Tim Burton?...

Clássicos do Cinema em BD para Pessoas com Pressa #15

Clicar na imagem para aumentar.

terça-feira, 29 de março de 2011

Farley "A Corda" Granger


Morreu o actor Farley Granger. Não vi muitos filmes com este actor, mas ficará para sempre gravada na minha memória cinéfila os dois filmes que fez para Alfred Hitchcock: "O Desconhecido do Norte Expresso" (1951) e, muito especialmente, a obra-prima "A Corda" (1948), película na qual interpreta um assassino inseguro e manipulado pelo amigo (e possível amante) John Dall. Por isso será sempre para mim o Farley "A Corda" Granger.

Sobre o filme "A Corda" escrevi este post.

Os diários reunidos de Tarkovski


Imperdível para os fãs do realizador Andrei Tarkovski: acaba de ser editado em Espanha (pela editora de Salamanca Sígueme) um livro contendo os sete diários de Tarkovski, escritos na Rússia e na Europa a partir de 1970 até quase ao fim da sua vida (1986).

No total, são mais de 600 páginas com imensa informação sobre os pensamentos do cineasta de "Stalker" sobre o processo criativo, as suas anotações de produção, notas sobre o cinema e questões de ordem eminentemente familiar, reflexões filosóficas sobre a arte, desabafos do seu crescente isolamento artístico e consequente exílio, etc. Sem dúvida um riquíssimo documento que complementa o seu livro de memórias intitulado "Esculpir o Tempo".

O título deste volume, "Martirologio", evoca os processos judiciais contra os cristãos do Império Romano que se negaram a oferecer sacrifícios aos deuses e ao imperador, sofrendo por isso, condenações à morte.

O livro custa 39€ e está à venda online aqui.

segunda-feira, 28 de março de 2011

Virginia Woolf - 70 anos depois

Faz hoje 70 anos que a escritora britânica Virginia Woolf se suicidou no rio afogando-se com pedras dentro dos bolsos (o seu corpo só seria recuperado quase um mês depois). O seu estado mental degradara-se profundamente (com alucinações visuais e auditivas e depressões cada vez mais penosas). Antes de cometer o derradeiro e fatal acto, escreveu uma comovente carta de despedida dirigida ao marido, Leonard. O conteúdo da cadta está reproduzido em baixo. O filme "As Horas" (2002) de Stephen Daldry, baseado num romance da escritora, reproduz a sequência do suicídio de Virginia, alternando na montagem com a redacção da dita carta. Nicole Kidman encarnou a atormentada escritora.


Meu Querido:

Tenho a certeza de que estou novamente a enlouquecer: sinto que não posso suportar outro desses terríveis períodos. E desta vez não me restabelecerei. Estou a começar a ouvir vozes e não me consigo concentrar. Por isso vou fazer o que me parece ser o melhor. Deste-me a maior felicidade possível.

Foste em todos os sentidos tudo o que qualquer pessoa podia ser. Não creio que duas pessoas pudessem ter sido mais felizes até surgir esta terrível doença. Não consigo lutar mais contra ela, sei que estou a destruir a tua vida, que sem mim poderias trabalhar. E trabalharás, eu sei. Como vês, nem isto consigo escrever como deve ser.

Não consigo ler.

O que quero dizer é que te devo toda a felicidade da minha vida. Foste inteiramente paciente comigo e incrivelmente bom.

Quero dizer isso — toda a gente o sabe. Se alguém me pudesse ter salvo, esse alguém terias sido tu. Perdi tudo menos a certeza da tua bondade. Não posso continuar a estragar a tua vida. Não creio que duas pessoas pudessem ter sido mais felizes do que nós fomos.


V.

Entrevista Póstuma (2) - Groucho Marx


O Homem Que Sabia Demasiado - É verdade que o FBI tinha um relatório sobre si por causa das suas piadas comunistas?

Groucho Marx – Sim, mas o FBI na altura tinha ficheiros sobre todos os americanos, até daqueles que diziam em público que não gostavam de Baseball. As minhas piadas sobre comunistas tinham a mesma veia corrosiva do que aquelas que fazia sobre as mulheres ou os burgueses vaidosos que faziam apostas milionárias nas corridas de cavalos. Não iria fazer piadas políticas, pois não?

O Homem Que Sabia Demasiado – O humor dos irmãos Marx foi, por isso, rotulado de incómodo e provocatório, uma ataque aos valores é à moral convencional.

Groucho Marx – Não entendo como era entendido assim, visto que fazíamos um humor non-sense e absurdo. Tenho a certeza que a maioria das pessoas nem percebiam o sentido (ou a falta dele) das piadas dos nossos filmes. Alguma vez viu alguém dar uma gargalhada sonante depois de ter assistido a uma piada dos Marx? Pois, eu também não.

O Homem Que Sabia Demasiado – Chaplin disse uma vez que o grande ponto de viragem da sua carreira foi quando adoptou o bigodinho, o chapéu de coco e a bengala e criou a personagem que todos conhecemos. Aconteceu o mesmo consigo com o bigode e as sobrancelhas pintadas?

Groucho Marx – Sabe, eu sempre tive um grande respeito por Chaplin. Ele disse-me uma vez: “Gostava muito de conseguir falar como o Groucho nos filmes”. E eu gostava muito de ter conseguido ser um cómico genial como Chaplin. Seja como for, um dia estava no estúdio de gravação a fazer um dos meus primeiros filmes e procurava uns adereços e figurinos engraçados para mim, assim à Chaplin. Como não encontrei nada, aproveitei o que tinha à mão: um lápis de carvão. Fiz um bigode espesso e umas sobrancelhas grossas, pus um charuto na boca e fui gravar assim. A imagem ficou e assim poupei dinheiro em bigodes e sobrancelhas postiços.

O Homem Que Sabia Demasiado – Os Irmãos Marx fizeram três ou quatro grandes filmes que ainda hoje desafiam o espectador pelo humor subversivo. Seguiam sempre o guião ou improvisavam durante as filmagens?

Groucho Marx – O que é um guião?... Eu e os meus irmãos viemos do teatro de vaudeville, com uma grande experiência no contacto com o público. E por isso gostávamos de sentir essa ligação durante as filmagens com os actores. E sobretudo as actrizes, que nem sempre gostavam como as tratávamos. Eu nunca fui machista. Uma vez, bebi champanhe do sapato de Sofia Loren e os jornais disseram que foi um acto embaraçoso. Não é verdade. Derramei fora quase metade porque ela se recusava a retirar o maldito pé do sapato! Eu tenho muito respeito pelas mulheres. Aliás, sempre disse que atrás de um homem bem sucedido, existe uma mulher. E, atrás desta, existe a mulher dele.

O Homem Que Sabia Demasiado – Groucho, morreu apenas três dias depois de Elvis Presley, facto que acabou por ofuscar a notícia da sua morte. Isso não o incomodou?

Groucho Marx – Oh, não! Pior teria sido se tivesse morrido no mesmo dia da Marilyn Monroe. Sempre tive um fraquinho por ela. De tal forma que deixei uma nota escrita com a indicação que queria ser enterrado por cima da sepultura de Marilyn. Mas o meu filho leu a nota tarde demais…

domingo, 27 de março de 2011

sábado, 26 de março de 2011

Allen Ginsberg cantor

Allen Ginsberg, guru do movimento literário "Beat Generation" (com Kack Kerouac e William S. Burroughs) foi retratado no filme "Howl", com um soberbo James Franco na pele do jovem Ginsberg por altura da edição do livro homónimo. Sobre o filme escreverei numa próxima oportunidade, agora apetece-me apenas publicar a forma como termina: com a bela canção "Father Death Blues" de Allen Ginsberg interpretada pelo próprio (uma canção que escreveu em 1976 aquando da morte do pai).
Para além disso, Allen Ginsberg referiu que, enquanto escritor, gostaria de ser recordado pelo poema de "Father Death Blues".

Hey Father Death, I'm flying home
Hey poor man, you're all alone
Hey old daddy, I know where I'm going

Father Death, Don't cry any more
Mama's there, underneath the floor
Brother Death, please mind the store

Old Aunty Death Don't hide your bones
Old Uncle Death I hear your groans
O Sister Death how sweet your moans

O Children Deaths go breathe your breaths
Sobbing breasts'll ease your Deaths
Pain is gone, tears take the rest

Genius Death your art is done
Lover Death your body's gone
Father Death I'm coming home

Guru Death your words are true
Teacher Death I do thank you
For inspiring me to sing this Blues

Buddha Death, I wake with you
Dharma Death, your mind is new
Sangha Death, we'll work it through

Suffering is what was born
Ignorance made me forlorn
Tearful truths I cannot scorn

Father Breath once more farewell
Birth you gave was no thing ill
My heart is still, as time will tell.

July 8, 1976

A Leica de Cartier-Bresson


Numa incursão pela livraria Bertrand deparei-me com este magnífico álbum de fotografias de um dos maiores fotógrafos do século XX, Henri Cartier-Bresson. "Um Silêncio Interior: Os Retratos de Henri Cartier-Bresson" (com Samuel Beckett na capa).
São apenas 160 páginas em grande formato com fotografias espantosas de artistas, intelectuais, cientistas, escritores e figuras da cultura do século passado.
Os retratos reproduzidos nesta obra pelo fundador da agência Magnum mostram, sem artifícios, os rostos de artistas e personalidades como Miró, Matisse, John Huston, Faulkner, Albert Camus, Sartre, Ezra Pound, Duchamp, Stravinsky, Beckett, Renoir, Piaf, Arthur Miller, entre muitos outros.
A inseparável câmara Leica de Cartier-Bresson capta o instante de forma despojada e seca. O olhar do fotógrafo é um olhar instintivo e penetrante, tentando comunicar aquilo que não se vê ao primeiro olhar: "Acima de tudo, procuro um silêncio interior. Esforço-me por traduzir a personalidade e não a expressão", afirmou um dia o fotógrafo. E, na verdade, sentimos a palpitação desse "silêncio interior" quando olhamos para retratos sublimes como os de Arthur Miller, Truman Capote e Marcel Duchamp:


quinta-feira, 24 de março de 2011

Discos que mudam uma vida - 136


Mr. Bungle - "Disco Volante" (1995)

A Grande Farra



"A Grande Farra" (1973) de Marco Ferreri é um filme-catarse. Um filme que violenta os valores das classes abastadas, que corrói a sociedade decadente da abundância material, numa virulenta viagem pelos prazeres da carne e devaneios do espírito. Prazeres que são levados ao extremo do extremo.
Neste filme come-se para morrer, não para viver. É um instinto contra-natura, mas aqueles homens sabem disso e assumem-no. É como uma espécie de orgia pornográfico-gastronómica, com o intuito de revelar a comida como uma metáfora trágico-cómica da sociedade moderna.
Os quatro amigos do filme de Marco Ferreri estão bem instalados na vida mas revelam total saturação da aridez da sua existência, resolvendo, por isso, cometer suicídio em grupo.
Para o efeito reúnem-se numa isolada mansão e degustam, durante vários dias, iguarias atrás de iguarias, pitéus atrás de pitéus, muito para além da saciedade. Comem até à exaustão, até à explosão escatológica fatal.
O sexo mistura-se nesta orgia como complemento epicurista do prazer da carne pela carne, em total desvario. Cruel e doentio.
O objectivo da grande e excessiva festa é puramente existencialista: dar algum sentido àquelas vidas através do assumido excesso que levará a uma morte previsível.
Marco Ferreri não faria nenhum outro filme como este e só Pasolini, com o brutal "Saló ou os 120 Dias de Sodoma" (1975), conseguiria superar o nível de choque e o nível de crítica avassaladora a uma sociedade instalada e parasita.

quarta-feira, 23 de março de 2011

Martha, aliás, Liz Taylor


Mais do que em "Cleópatra", "Gata em Telhado de Zinco Quente", "Um Lugar ao Sol" ou "Bruscamente no Verão Passado", recordarei sempre Elizabeth Taylor no espantoso papel de Martha em "Quem Tem Medo de Virginia Wolf?".
Aliás, existem poucos filmes com uma interpretação feminina tão intensa e perfeita quanto a de Liz Taylor em "Quem Tem Medo de Virginia Woolf?" (1966) de Mike Nichols. O Óscar de Melhor Actriz que ganhou com esta interpretação assentou-lhe que nem uma luva e foi a própria actriz que referiu que este é o filme pelo qual gostaria de ser recordada.
Elizabeth Taylor é a perturbada Martha, mulher de meia idade, alcoólica e emocionalmente instável, que numa única noite afunda o seu casamento com George (Richard Burton) numa espiral de violência, cinismo e degradação como raramente de viu no grande ecrã. Um trabalho de composição verdadeiramente notável e arrepiante num intrépido drama filmado com parcos recursos: apenas quatro personagens e uma sala de estar como elementos principais (e o cenário de um bar, a meio do filme).
Um olhar frio sobre as contradições e derrapagens emocionais de um casamento à beira da ruptura e da total desorientação, no qual o amor e o ódio se revelam faces da mesma moeda. Nomeado a 13 Óscares e vencedor de 5 - incluindo o Óscar para Taylor - "Quem Tem Medo de Virgina Woolf?" é uma prodigiosa demonstração de uma obra extremamente bem conseguida ao nível da realização, fotografia, interpretação e argumento (baseado no livro de Edward Albee).
Elizabeth Taylor prova os seus incríveis recursos de actriz encarnando a débil e atormentada Martha, um dos papéis mais difíceis e exigentes da sua carreira. E custa a acreditar que tenha aceite contracenar com Richard Burton num drama tão dilacerante, tanto mais que, na dita vida real, estavam casados.
A seguinte sequência, entre outras do filme, exemplifica bem a qualidade da interpretação de Elizabeth Taylor, os diálogos acutilantes, e a fotografia a preto e branco que denunciam uma viagem ao desespero - sem regresso - na relação entre um homem e uma mulher:

Os dez filmes preferidos de João César Monteiro


Acabei de ler isto:
"Para João César Monteiro, entre os dez melhores filmes que viu na sua vida, "Aurora" (1927) de F.W. Murnau ocupa todas as dez posições".
Amen.

terça-feira, 22 de março de 2011

Entrevista Póstuma (1) - Jacques Tati


O Homem Que Sabia Demasiado - Eu diria que o seu cinema é um cinema “geométrico”, no sentido em que o humor é desenhado de forma milimétrica, com planos bem estruturados e um timing de humor ao segundo. Concorda?

Jacques Tati – Sim e não. Eu sempre vi o cinema como uma forma de olhar o mundo, uma espécie de mecanismo que grava e transforma esse olhar numa experiência de humor, sem perder a seriedade na análise e na crítica. Nos meus filmes há essa preocupação pelo lado formal e estético, mas há também uma margem de liberdade e de abertura, procurando explorar novas abordagens na realização ou na interpretação. O Sr. Hulot evoluiu muito ao longo dos meus filmes, passou de homem passivo à mercê dos elementos tecnológicos da sociedade moderna (“O Meu Tio”), para um agente de transformação e de intervenção do meio que o rodeia (“Playtime”). Mas há, de facto, um grande sentido de organização interna nos gags que apresento.

O Homem Que Sabia Demasiado - Numa entrevista, o comediante Rowan Atkinson referiu que a sua grande influência foi Jacques Tati.

Jacques Tati - É um reconhecimento louvável do legado que deixei, mas não sei até que ponto o Rowan assimilou todas as subtis nuances cómico-dramáticas do Sr. Hulot. Construi Hulot como um personagem imbuído de uma perspicácia intuitiva, que aprende com os erros e interpreta o mundo com a experiência e inocência de uma criança. O Mr. Bean parece-me antes um personagem infantilizado (no mau sentido) dessa minha perspectiva.

O Homem Que Sabia Demasiado - O seu filme "Playtime", de 1967, parece ter sido altamente visionário, ao satirizar uma sociedade massificada e mecanicista, hiper-tecnológica, que elimina o indivíduo em virtude das massas no seio do caos urbanístico moderno.

Jacques Tati - A minha visão foi nesse sentido, mas repare que a sua descrição corresponde ao que já existia e acontecia na década de 60! A explosão da sociedade de consumo, a obsessão pela tecnologia moderna, a industrialização do trabalho, a erosão afectiva e social derivada desses factores, eram já bem notórios nos anos 50 e 60. O meu filme não foi percursor em nada, foi antes um testemunho de um mundo do qual tenho sérias dúvidas que seja o melhor para o homem viver e conviver. Mas eu nem gosto muito de falar de "Playtime" porque foi o meu filme mais complexo, difícil e que me levou à total ruína financeira.

O Homem Que Sabia Demasiado - O seu tipo de humor deve muito à comédia burlesca do período mudo: Chaplin, Keaton, Lloyd... Que outros actores ou realizadores aprecia?

Jacques Tati - Oh, não houve outros como Chaplin ou Keaton! Eram os maiores, verdadeiros artisitas de uma arte que definhou a partir do aparecimento do cinema sonoro. Ainda assim, aprecio o humor anárquico dos Irmãos Marx, a comédia de costumes de Jerry Lewis ou do italiano Totó. Já os Monty Python não gosto. O humor absurdo, político e filosófico nunca me atraiu. Além do mais, os Monty Python tinham demasiados diálogos e, por vezes, muito complexos. O Sr. Hulot conseguia dizer o mesmo quase sem dizer uma palavra.

domingo, 20 de março de 2011

Sida, Arte, Galás, Cristo e Censura


David Wojnarowicz foi um pintor, performer, fotógrafo, escritor e realizador. Morreu em 1992 vítima de Sida, com apenas 37 anos.
Em 1987, este artista fez uma curta-metragem que ainda hoje suscita reacções controversas: "Fire in My Belly". Este curto filme, realizador no formato Super 8mm, inicialmente silencioso e concebido com base numa montagem de imagens aparentemente desligadas umas das outras, aborda a temática da Sida e, por inerência, a vida, a morte, o sexo, a fé e o sofrimento humano.
O filme, segundo David Wojnarowicz, pretendia ser uma meditação poética sobre a forma como o homem lida com uma doença devastadora como a Sida e tudo o que ela acarreta, mas a Igreja Católica e políticos conservadores fizeram outra interpretação desta obra: perversa, provocadora e ofensiva para com os valores religiosos e ícones como Jesus Cristo. Isto porque o realizador mostra um crucifixo coberto de formigas (uma ideia surrealista herdada de Salvador Dalí), dinheiro e derramamento de sangue entre outras imagens consideradas "chocantes". A pressão foi tanta que ainda em Dezembro de 2010, as vozes contestatárias censuraram o filme ao ponto de o retirar de uma exposição num museu nos EUA.
Para mim, o conteúdo da obra nada tem de chocante. Há imagens mais chocantes que são exibidas à hora dos telejornais das televisões e ninguém se incomoda. A arte deve ser interventiva, incómoda, contra-poder, precisamente para despertar consciências e agitar mentalidades.
Voltando ao filme: convém dizer que o seu visionamento se torna uma experiência mais intensa por causa da música que acompanha as imagens surpreendentes: Diamanda Galás. A Diva Negra, que viu um irmão morrer de Sida e que considera esta doença como uma praga moderna, empresta a sua impressionante voz (vinda das profundezas dos infernos) e música (a partir de um excerto de "This is The Law of The Plague") a "Fire in my Belly".
A música de Diamanda é emocionalmente perturbadora e, aliada a estas imagens, forma um conjunto audiovisual realmente único:
Nota: este é um excerto do filme "Fire in My Belly", a versão completa tem 20 minutos, é muda e pode ser vista aqui.

sábado, 19 de março de 2011

sexta-feira, 18 de março de 2011

"Me encanta el olor del napalm por la mañana"


Enquanto fazia zapping pelos canais de televisão, passei por um canal espanhol. Estava a passar o filme “Pearl Harbour”. O filme é dispensável (quanto a mim), mas nem foi isso que me chamou a atenção. A questão é que o filme era dobrado em castelhano, coisa a que já não estava acostumado há muitos anos.
Devido ao facto de viver junto à fronteira espanhola, habituei-me, quando era miúdo, a ver filmes nos canais televisivos espanhóis, sobretudo aos sábados à tarde (grandes westerns e filmes de aventuras eu vi pela primeira vez nessas sessões). Espanha possui, há muitos anos, uma verdadeira indústria de dobragem de filmes estrangeiros, com actores profissionais que se dedicam quase em exclusivo a este negócio (é uma arte, mas também um grande negócio). Os defensores das dobragens de filmes de língua estrangeira garantem que é uma forma de salvaguardar a língua e a cultura nacionais. É e não é. A legendagem também promove o exercício da leitura e, acima de tudo, respeita a integridade artística inerente ao trabalho dos actores, dado que a voz de um actor representa um elemento preponderante, e por vezes essencial, da sua interpretação.
Por outro lado, quando via filmes na televisão espanhola, era frequente conhecer as vozes dos actores espanhóis que dobravam estrelas de Hollywood. E não era raro deparar-me com um filme em que o mesmo actor que dobrava Marlon Brando ou Robert De Niro, dobrava também Charles Bronson. Felizmente que em Portugal a legendagem vingou em detrimento da dobragem (esta só se aplica, e bem, a filmes infantis), fenómeno que já vem do tempo do Estado Novo (é estranho como Salazar não optou pela imposição da dobragem, já que era tão defensor dos valores conservadores da cultura nacional - mas diz-se que não o fez por questões meramente económicas).
Em Espanha, no tempo da ditadura de Franco, optou-se pela dobragem para melhor controlar e manipular as mensagens menos convenientes de certos filmes. E a tradição dos filmes dobrados continua em força, mesmo nas estreias na sala de cinema, visto que são poucos os filmes em exibição na versão original.
A dobragem, por melhor que seja feita, acaba sempre por desvirtuar a arte da interpretação e torna-se irritante ver continuamente a dessincronia entre a expressão labial e a fala. Ao fim e ao cabo, será que tem o mesmo efeito ouvir Robert Duvall dizer no “Apocalypse Now” a célebre frase “You smell that? Napalm, son. Nothing else in the world smells like that. I love the smell of napalm in the morning” em inglês, em castelhano, em francês ou em mandarim?

António Lopes e o seu sonho


Quem frequenta um curso de cinema sabe que esta arte necessita de dinheiro para ser concretizada na prática. Os jovens estudantes e futuros realizadores têm conhecimento das dificuldades que terão pela frente. Mas talvez não contassem que essas mesmas dificuldades surgissem ainda durante a frequência do próprio curso. Devido aos constrangimentos económicos das Universidades, fazer pequenas experiências de cinema em Portugal, mesmo nos cursos especializados, torna-se cada vez mais difícil.
Que o diga o jovem António Lopes, finalista do curso de cinema da Universidade da Beira Interior (Covilhã), que se viu limitadíssimo com o escasso orçamento que aquela instituição de ensino superior lhe atribuiu para realizar uma curta-metragem de final de curso. Visto que os valores para levar a cabo esse projectoeram quase irrisórios, António Lopes não desistiu e procurou apoios diversos e recorreu à Internet com o objectivo de angariar fundos para o seu filme, lançando uma campanha para receber donativos voluntários.
Quem quiser ou puder contribuir, o António Lopes agradecerá com humildade. Mais a mais porque o título do seu filme é "Vendedor de Sonhos", e António está a fazer tudo para concretizar o seu sonho de realizar a curta-metragem e de se tornar realizador de cinema.
Boa sorte, António.

quinta-feira, 17 de março de 2011

Parabéns Bertolucci


O realizador italiano Bernardo Bertolucci completou 70 anos. Um cineasta que viveu durante décadas à sombra de Fellini ou Antonioni, mas que conseguiu afirmar-se, a pouco e pouco, como um realizador com uma sensibilidade, visual e humana, muito particular. Da sua obra ressalta a épica história "1900" (1976) com uns jovens Robert De Niro e Gérard Depardieu como protagonistas e música do grande Ennio Morricone.

Da restante filmografia de Bertolucci, a minha selecção pessoal dos cinco filmes preferidos (daqueles que conheço) posiciona-se da seguinte forma:
1 - "O Último Tango em Paris" (1973)
2 - "A Estratégia da Aranha" (1970)
3 - "O Último Imperador" (1987)
4 - "Beleza Roubada" (1996)
5 - "Os Sonhadores" (2003)

Disco-Human






Fonte: Sleeveface

terça-feira, 15 de março de 2011

Clássicos do Cinema em BD para Pessoas com Pressa #13

Clicar na imagem para aumentar.

Às vezes penso o mesmo


"Hoje em dia, quando vou ao cinema, estou sempre a prestar atenção a tantas coisas, ao marido que fala com a Mulher umas filas mais à frente, a alguém que acaba as pipocas e atira o balde para o corredor. Estou atento à montagem, aos maus diálogos e aos maus actores; às vezes, vejo uma cena com muitos figurantes e dou por mim a pensar: serão actores de verdade, estarão a gostar de ser figurantes ou tristes por não estar na ribalta?
Por exemplo, aparece uma rapariga no centro de comunicações no início de '007 - Agente Secreto'. Tem uma ou duas falas, mas nunca mais volta a a aparecer no ecrã. Pergunto-me o que terá acontecido a todas aquelas pessoas que aparecem nas cenas de multidões, nas cenas de festas: o que é que acabaram por fazer na vida? Terão desistido de representar e escolhido outra profissão qualquer?
Todas estas coisas perturbam a maneira como vejo um filme; antigamente, podiam disparar uma pistola ao meu lado que não me teriam desconcentrado das imagens que se desenrolavam no ecrã à minha frente. Por isso revejo filmes antigos - não apenas para os ver novamente, mas também na esperança de voltar a sentir o mesmo que da primeira vez."
David Gilmour, no livro "O Clube do Cinema" (Pergaminho, 2011)

segunda-feira, 14 de março de 2011

Vivemos no mundo de Carpenter?

Cada vez mais penso que o filme de John Carpenter se assemelha à realidade dos nossos tempos. Uma realidade -a verdadeira - encoberta e escondida nas sombras, atrás das aparências empíricas quotidianas, numa espécie de "Alegoria da Caverna" moderna proporcionada pela sociedade tecnológica globalizada e manipulada pela propaganda instituída, pelos media e pelo poder que nos instiga, subliminarmente, mensagens como aquelas que o protagonista de "They Live!" experiencia:
- "Obedece"
- "Compra"
- "Não tenhas Imaginação"
- "Vê TV"
- "Sê Conformista"
- "Não Questiones a Autoridade"
- "Casa e Repoduz"...
Só nos falta saber se conseguiremos um dia identificar a realidade escondida através de uns óculos especiais ou por outros meios quaisquer.

domingo, 13 de março de 2011

A música do novo Terrence Malick

Um dos mais aguardados filmes deste ano é "The Tree of Life" de Terrence Malick, com Brad Pitt e Sean Penn, numa (diz-se) arrebatadora história sobre a essência da vida humana. Malick é conhecido por ser um cineasta de grande exigência formal, minucioso e atento aos mais ínfimos pormenores. Neste âmbito, a música sempre ocupou um aspecto fundamental na obra do autor de "A Barreira Invisível".
O novo filme de Malick, cujo sublime trailer muito augura, revela um cuidado especial na selecção musical. Desta vez, o realizador escolheu o compositor Patrick Cassidy para a banda sonora. Erradamente, durante algum tempo, a informação que circulava era que a música seria de Alexandre Desplat (um compositor de cinema em ascendente carreira).
Mas a verdade é que "The Tree of Life" conta com a música de Patrick Cassidy (que já colaborou com Lisa Gerrard dos Dead Can Dance), uma música neo-clássica orquestral que apela aos sentimentos épicos e dramáticos (de resto, as imagens do trailer combinam na perfeição com a música de Cassidy).

sábado, 12 de março de 2011

Anna Calvi: beleza e talento

A cantora e guitarrista Anna Calvi tem concentrado a atenção de muita gente nos últimos meses. O seu brilhante álbum de estreia, "Anna Calvi", editado recentemente, é um belo manifesto musical entre o rock, o blues e a pop, naquilo a que os críticos designam, com razão, uma espécie de inebriante mistura de PJ Harvey e Patti Smith.
Mas uma coisa é certa: o seu crescente êxito não teria a mesma expressão se Anna Calvi apenas fosse dona de uma notável voz e autora de boas canções. É que Anna pugna, também, por um look altamente fotogénico e de uma sofisticação plástica assinalável, como comprovam as imagens em baixo.
Em suma: beleza e talento sempre constituiu uma fórmula de sucesso ao longo da história da cultura popular.



Óculos de massa pretos - 4


Ne-Yo (cantor)

Natalie Imbruglia (cantora)
Moby (músico)

Lily Allen (cantora)

Joseph Gordon-Levitt (actor)

Cory Monteith (actor/argumentista)

John Polson (realizador)
Harvey Keitel (actor)
Finn Hudson (actor)

Emily Blunt (actriz)

Ashton Kutcher (actor)