terça-feira, 6 de julho de 2010

O prazer e a preguiça segundo Albert Cossery


Lembro-me do momento em que um amigo mais velho me deu a conhecer a obra do escritor Albert Cossery (morreu aos 93 anos em 2008). Foi em meados dos anos 90. Dizia-me esse amigo que Cossery era um escritor invulgar e original, capaz de escrever sobre assuntos mundanos de forma extremamente polida, que se interessava pelos "vencidos da vida" e não por heróis romanceados de forma épica.
Nasceu no Egipto mas toda a vida escreveu em francês. Metódico e solitário (viveu décadas no mesmo quarto de hotel), Albert Cossery tinha por hábito escrever apenas uma frase em cada dia, durante quase sessenta anos de carreira literária, produção que equivaleu a uns escassos oito livros publicados.
Albert Cossery fazia, na esteira da filosofia epicurista (o prazer e o hedonismo como valores primordiais para a vida), a apologia da preguiça e do ócio, vendo nestas atitudes o espelho de uma rebuscada actividade interior, como métodos valiosos de reflexão sobre a vida e o mundo. O próprio Cossery viveu praticamente toda a vida de forma desprendida e despojada, segundo o próprio, veículos para a felicidade e para o bem-estar existencial. Cossery foi amigo de grandes figuras da literatura como Boris Vian, Jean Genet, Henry Miller e Albert Camus, mas ainda assim é o autor menos conhecido de todos.
Apenas li três dos seus oitos livros: "Mendigos e Altivos", "A Violência e o Escárnio" e "Conversas Com Albert Cossery". Este último título, um conjunto de entrevistas ao escritor egípcio, é particularmente interessante para compreender o pensamento e a escrita de Albert Cossery:
Jornalista: "Nunca pensou que as sociedades podem progredir?"
Albert Cossery: "Um progresso espiritual, sim, mas não no sentido religioso. Espiritual, quer dizer no espírito. É muito difícil e é por esse facto que a humanidade não avançou nem um centímetro desde há milénios. Hoje vemo-lo um pouco por todo o mundo: as pessoas odeiam-se, entram em guerra, matam-se".
- "Qual é a arte de viver?"
- "Desprender-se de tudo o que nos ensinam, de todos os valores e dogmas".
- "O que é que caracteriza a arte de viver das personagens que criou?"
- "Em primeiro lugar, a falta de ambição. O que mata as pessoas é a ambição. E também esta tendência para a sociedade de consumo. Quando vejo publicidade na televisão, digo para mim próprio: podem apresentar-me isto anos a fio que nunca comprarei nada daquilo que mostram. Nunca desejei um belo automóvel. Nunca desejei outra coisa senão ser eu próprio. Posso caminhar na rua com as mãos nos bolsos e sentir-me um príncipe. Não é a posse de bens materiais que pode satisfazer um homem inteligente, que compreendeu o mundo em que vive".
- "O que lhe dizem os seus leitores mais frequentemente?"
- "Os meus leitores nunca me dizem: escreveu um belo romance, como acontece com muitos escritores; dizem-me: salvou-me a vida. Muitos jovens vão para o Egipto - Cairo - porque leram os meus livros. E muitos ficaram por lá".

2 comentários:

Paulo Assim disse...

Li pelo menos oito obras do autor mais «preguiçoso» do mundo. Com outro rendimento, presumo que teria alcançado facilmente o Nobel da literatura. Mas nesse caso já não estaríamos a falar do autêntico, excêntrico e genuíno Cossery.
Realço «Os mandriões do vale fértil» e «A casa da morte certa», duas obras que me ficaram na memória.

Anónimo disse...

Não li todos os livros. Os Homens Esquecidos de Deus, A Casa da Morte Certa, Mandriões no Vale Fértil e As Cores da Infâmia são dos que li o que mais me ficaram na memória.