domingo, 5 de outubro de 2008

O que é hoje a vanguarda?


A revista Única do semanário Expresso desta semana dedica grande parte das suas páginas ao conceito de "vanguarda". Vanguarda na ciência, na investigação, nas artes, no pensamento. Há igualmente uma secção sobre 10 personalidades portuguesas que se encontram "à frente" em várias matérias: design, arquitectura, ciência, video-arte, cinema, moda, teatro, literatura, artes plásticas, etc. Como complemento explicativo ao tema explorado, o Expresso decide enumerar as várias manifestações artísticas às quais habitualmente conotamos com o conceito de vanguarda, ao qual deu o título "abecedário das vanguardas": futurismo, dadaísmo, expressionismo abstracto, cubismo, etc. Na música são referidos os inevitáveis John Zorn, John Cage, Pierre Boulez, Anton Webern, Schoenberg, Xenakis e Frank Zappa. De facto, todos estes nomes representaram diferentes formas de encarnar a vanguarda estética na música, mas é mais do que óbvio que se trata de uma lista muito reducionista. Haveria muitos outros nomes a referir, mas isso nem é o mais importante. A questão é que o jornalista Luís M. Faria, que assina o texto, refere-se da seguinte forma quando aborda Zappa: "Zappa - Porque o rock também tem vanguardas. Este artista nunca parou de experimentar, tendo mesmo tido uma colaboração muito badalada com Pierre Boulez. Também poderíamos referir Hector Zazou". A minha opinião é esta: a haver vanguardas no rock, estas não se resumem, nem de perto nem de longe, a Frank Zappa. Sempre houve experimentação na história do rock, como houve na electrónica, no jazz ou até na pop. Só não percebi a referência final ao Zazou: também é um artista vanguardista ou é citado porque, alegadamente, teve uma colaboração com Pierre Boulez?
A discussão à volta da vanguarda nas artes é muito complexa e abrangente. O que o Expresso fez foi enumerar e caracterizar, sinteticamente, as correntes mais consensuais das vanguardas artísticas. O que não fez (porque é mais arriscado e difícil) foi problematizar o tema. Dito de outro modo, seria interessante que o Expresso tivesse publicado um artigo sobre o que é hoje a vanguarda, ou que tivesse solicitado a especialistas opiniões sobre este assunto. É que importa saber se na criação artística contemporânea ainda sobrevive o conceito de vanguarda como foi concebido pelos "ismos" da primeira metade do século XX, ou se é já outra coisa mutável e sem definição precisa. Um dia o ensaísta e jornalista musical Rui Eduardo Paes disse que já não fazia sentido falar em vanguarda (no sentido estético da transgressão e inovação) na criação musical actual, mas sim em "manifestações de experimentação". Será que o conceito de vanguarda morreu, como conceito, com Marcel Duchamp, John Cage ou Fluxus? O próprio Expresso apenas dá como exemplos de conceitos de vanguarda, artistas e movimentos já longínquos no tempo, que fazem parte do passado. Se não estou em erro, os únicos artistas vivos que são citados são John Cale e John Zorn. As dezenas de outros artistas, compositores, teóricos, escritores, artistas plásticos referenciados como vanguardistas, estão há muito mortos e enterrados. Não é, porventura, sintomático? E já agora, porque é que não foi citado nem um único realizador ou estética cinematográfica no âmbito das vanguardas? Não houve vanguarda no cinema?
Partilho da ideia do Rui Eduardo Paes. A vanguarda, como conceito teórico para definir a criação artística inovadora e avançada, morreu com com a 2ª Guerra Mundial. A partir dos anos 50 e 60, a História da Arte regista múltiplas manifestações artísticas importantes mas que mais não são do que reinterpretações, apropriações e reciclagens estéticas das vanguardas históricas.
Na imagem: "L.H.O.O.Q." (1919) de Marcel Duchamp

1 comentário:

Rui Carvalho disse...

zazou não fica mal na fotografia, mas como há imensos, podia acrescentar mais alguns nomes e a coisa ficava mais composta.....
mas só falar de ZAPPA por causa de P. BOULEZ, parece-me pouco, para mim escrever assim tá bem , sou autodidacta, só tenho um mal é gostar, saber escolher ou ter o clic de antecipar ao dizer esta banda vai dar que falar(ouvir, conhecer)....
um abraço