quarta-feira, 2 de julho de 2008

"Gone Baby Gone" - ficção vs. realidade


O inesgotável caso Maddie voltou à ribalta mediática por estes dias. A polícia encontrou o alegado sequestrador? Não. Deslindou o mistério? Não. A criança está morta ou viva? Nada de sabe. O que se sabe é que o caso voltou às televisões para as autoridades anunciarem que vai ser... arquivado. Certo é que este caso configurou um fenómeno inédito na forma como a comunicação social tratou da informação. O circo mediático montado à escala planetária, durante meses, para cobrir todos os pormenores deste caso, é já um "case study nas escolas de comunicação e jornalismo.

Como sabemos também, realidade e ficção (ou vice-versa) confundem-se. Veja-se o caso do filme "Gone Baby Gone" ("Vista Pela Última Vez..."), estreado no final de 2007 em Inglaterra, que despoletou polémica e sentimentos bizarros na opinião pública. Como se sabe, o filme foi realizado pelo actor Ben Aflleck e protagonizado pelo seu irmão, Casey Affleck. A estreia do filme ficou adiada vários meses por casua das óbvias semelhanças entre a história do rapto de Madeleine McCann e a ficção do filme (rapto de Amanda McCready). A Miramax (produtora do filme) adiou essa estreia para que o caso esmorecesse na opinião pública e para que, desta forma, o rótulo de oportunismo não lhe fosse atribuído. Baseado no romance de Dennis Lehane (que já tinha escrito "Mystic River", adaptado para cinema por Clint Eastwood) e adaptado para o ecrã por Affleck, o filme "Gone Baby Gone" conta a história de dois detectives privados que procuram uma menina de 4 anos, raptada no bairro mais degradado no sub-mundo de Boston. Entre a rocambolesca história da família britânica no Algarve e a do filme, muitos elementos existem em comum, sendo o principal, o facto de uma menina loura de 4 anos ser raptada do seu próprio quarto. Para além destes aspectos, o filme, sendo uma ficção, acaba por desviar-se narrativamente do percurso da história da menina McCann.
A primeira realização de Ben Affleck denota uma considerável consistência narrativa e um arrojo técnico que é de salientar, mas Affleck envereda por um caminho mais de discussão em redor da legitimidade da instituição família do que propriamente em explorar o rapto em si. O rapto acaba por ser, in extremis, um pretexto para uma reflexão profunda sobre o valor da família como instituição protectora e propiciadora de felicidade aos filhos. O personagem desempenhado por Casey Affleck tem de tomar uma decisão dramática que vai proporcionar o desenlace da história. O seu dilema moral é dilacerante e o final do filme é, sem dúvida, muito amargo e deprimente. No filme a questão principal é: que limites morais e sociais se devem respeitar em benefício da segurança de uma criança? Aflleck resolve muito satisfatoriamente esta dúvida (basta assistir aos dois últimos momentos do filme, num belíssimo plano). No mundo real, o drama moderno dos hediondos crimes pedófilos e dos raptos de crianças constituem matéria vasta para futuras obras literárias ou cinematográficas. A arte imita a vida, só que por vezes a realidade é bem mais cruel e dura do que a ficção...
O casal McCann na realidade. O casal de namorados-detectives no filme: o cinema como espelho duplo da realidade.

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